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[Resenha] Ensaio sobre a lucidez - José Saramago

literatura portuguesa josé saramago
“Ensaio sobre a lucidez”; autor: José Saramago; editora: Companhia das Letras, 325 páginas.


Após quatro anos desde a última eleição, que foi descrita no livro “Um ensaio sobre a cegueira” acontece um novo grande manifesto. No dia da eleição, as pessoas tardam a sair de suas casas para cumprir a obrigação eleitoral e, quando finalmente o fazem, algo incomum acontece. Ao serem contabilizados os votos é declarado que oitenta e três por cento da população votou em branco, uma calamidade! Esse foi o início de um protesto silencioso contra um governo opressor.

Os dois partidos que competiam ficaram com apenas 8 por cento dos votos, igualmente e dessa forma não poderia ser eleito um vencedor. Dadas as circunstâncias, eles decidem refazer a eleição, mas são surpreendidos quando, novamente, o resultado traz uma quantidade muito superior de votos em branco.
“... é porque aqueles votos em branco, que vieram desferir um golpe brutal contra anormalidade democrática em que decorria a nossa vida pessoal e colectiva, não caíram das nuvens nem subiram das entranhas da terra, estiveram no bolso de oitenta e três em cada cem eleitores desta cidade, os quais, por sua própria, mas não patriótica mão, os despuseram nas urnas.”
Uma ação como essa não parecia ter sido despropositada, então os lideres políticos decidem começar a investigar. Começaram de leve, perguntando as pessoas em quem votaram. Elas, conhecedoras de seus direitos, sempre diziam que tinham direito de manter seu voto em privacidade. Não importava quantas pessoas eram interrogadas, todas sempre tinham a mesma resposta na ponta da língua.

Um caos foi instaurado. A população era resistente em manter o silêncio e o governo era persistente em encontrar o autor desse “crime”. Para eles, havia um responsável por essa ação contra a política e eles estavam dispostos à uma guerra para descobrir o que estava acontecendo e dar um jeito no culpado.
“Em primeiro lugar haverá que decidir quem irá sair da cidade e quem nela ficará.”
Começaram punindo as pessoas, cortaram o serviço de coleta de lixo. Mas foram surpreendidos quando na manhã seguinte, no mesmo horário, todas as donas de casa saíram em direção à suas ruas, varrendo e recolhendo todo o lixo. Essa era uma resposta silenciosa, retrucando o castigo.

Mas uma pessoa, a ovelha negra do grupo, achou que estavam errados em agir assim e decidiu mandar uma carta para os líderes políticos onde relatava coisas importantes. Foram as palavras dessa carta que conseguiram dar um novo rumo as investigações. Por mais resistência que tinham, o governo não cederia tão fácil.

A narrativa do livro é bem diferente do que estamos acostumados. As estrofes são imensas, tendo casos que um parágrafo começa no início do capítulo e só termina no final, cerca de cinco páginas depois. Os diálogos não possuem nenhuma indicação comum para começar (travessão ou aspas) são simplesmente inseridos no meio da descrição da cena.

A linguagem também é mais rebuscada e arcaica. Fiquei surpresa quando encontrei a palavra “Mentecaptos”, palavra que só tinha ouvido antes por um youtuber gamer.

Apesar de toda essa complexidade na narrativa, é possível acompanhar a história sem percas. O ritmo se desenvolve de sua própria forma e o assunto abordado nos instiga a saber como seria esse universo que está tão perto da nossa realidade. Mesmo tendo sido escrito em 2004 continua sendo muito atual, com críticas sociais e políticas muito importantes e questionamentos relevantes. Um misto de sátira e críticas narradas de uma foram única.



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